segunda-feira, julho 02, 2018

"Os Verdes da Alagoa" - Os primeiros pontapés com a camisola dos "Verdes da Alagoa"


Em pé da esquerda para a direita: Jorge Terra (Director), Mário Barbosa, Cardoso, Amílcar Quaresma, Américo Antunes. João Luís, Mário Martins, Norberto Dutra,
e Manuel Vasques (Treinador).
Em segundo plano da esquerda para a direita: Fernando Faria, José Silveira
Mário Simas, Helder Porto, Andrade e Manuel Almeida.

Tem chegado ao nosso conhecimento de que esta série de escritos tem sido lida e apreciada por muitos amigos da nossa juventude, principalmente os faialenses residentes na diáspora, das mais diversas formas nos têm manifestado a saudade desses velhos tempos. Será por isso e em honra do decano dos clubes açorianos, dos seus desportistas e adeptos, esta série estender-se-á por mais algumas semanas.
Assim e continuando, diríamos que na época em que éramos muito jovens, as residências desse tempo não possuíam quartos de banho. No quintal de quase todas as residências existia uma retrete e nos quartos de dormir, um penico e os colchões eram feitos de peça de fazenda “recheada” com palha ou folha de maçaroca.
Nesses apetrechos, se executavam as nossas necessidades e para o banho higiénico, era usada uma pequena celha de madeira, onde eram lavados os pés, com sabão azul e o resto do corpo era esfregado aos poucos com uma toalha. Em plena época de Verão, era as águas límpidas da ribeira da Conceição e da “nossa” praia da Alagoa que nos servia de banho higiénico, ao mesmo tempo que calcorreávamos a areia atrás de uma bola. Fosse ela qual fosse: de pano, bexiga de porco ou de borracha.

O gosto de jogar à bola era tanto, que ninguém reclamava nem exigia fosse o que fosse. Se nas ruas da Conceição grande parte desses jovens jogava de pé descalço, muito satisfeitos ficávamos por calçar um par de botas. Nesse tempo, o futebol era considerado como uma “escola de virtudes”. Na realidade, para jovens que tinham sido criados nos arredores da “Rua Velha”, os treinadores que conhecemos não usavam palavrões, demonstrando a esses miúdos que depositavam neles muita confiança como futuros jogadores e muito respeito como pessoas. E foi com o contributo desses treinadores que os jovens do nosso tempo subiram, degrau a degrau a “escada da vida”.
As bolas de futebol (nos treinos e nos jogos, só existia uma) e as botas, eram executadas na “Sapataria Mascote”, cujo proprietário era Sr. Eduino Cândido o qual tinha sido jogador na década de 1930 do século passado, tendo pertencido ao “Onze Maravilha”.
As botas, em campos “relvados”, levavam pitons e nos pisos de terra batida – casos do Municipal de Angra do Heroísmo e Campo Jácome Correia, em Ponta Delgada - tinham que ir novamente à sapataria para substituir os pitons por travessas. Estas alterações só aconteciam quando o FSC se deslocava a estas duas ilhas para disputa de torneios açorianos.

Nas ruas da freguesia da Conceição, ao lado de muitos rapazes que também tinham grande gosto pela “redondinha”, jogava-se de manhã à noite, partidas de futebol, nas quais dois deles “puxavam cabeças” para formar cada um a sua equipa.
É claro que principiavam pelos melhores e para o fim ficavam sempre os menos habilidosos que iam completar o número suficiente para formar duas equipas.

Na maioria das vezes, cada partida mudava de campo a cinco e acabava em 10 golos. No “Alto” – onde se encontra implantado o edifício do Tribunal da Comarca da Horta - ou no lado de fora do Estádio do Fayal Sport Club, na Avenida Machado Serpa, Rua Conselheiro Miguel da Silveira (conhecida pela Rua do mar)  - a rapaziada dessa época tinha que arranjar uma bola – note-se que não havia muitas – fosse de que maneira fosse.
Na praia da Alagoa, a rapaziada participava em partidas de futebol e jogos de “cabeçada” e foi nesta prática que lhes serviu mais tarde, como jogadores, acompanhar devidamente o movimento da bola, saltando de cabeça no momento oportuno e, assim, levar a melhor sobre o seu adversário.
Se aparecesse uma bola feita de trapos, uma de bexiga de porco cheia de ar, outra de panos, ou mesmo uma pequena bola de ténis, tudo servia de pretexto para se dar uns pontapés e correr atrás de um qualquer objecto esférico.

Nessa época, cansados de tanto correr, bebia-se água em celhas, feitas em madeira, que se encontravam junto às linhas de roupa estendidas a secar no “Alto”.
Quando esta geração iniciou os seus pontapés numa bola de cabedal, no Estádio da Alagoa, depois de um treino ou de um jogo de futebol, existiam os duches mas… de água fria. E assim foi, durante alguns anos, até chegar o famoso esquentador, que apareceu no início da década de 1960.
Os jovens treinavam à tarde e o primeiro treinador da nossa geração foi o Sr. Artur Raposo Ferreira, antigo futebolista dos “Verdes da Alagoa”, de cuja foto não possuímos. A inscrição dos jogadores que iniciaram os seus primeiros pontapés na bola, nessa época, era efectuada nas instalações da antiga sede (ao pé do Lar de S. Francisco) pelo Director Sr. Álvaro Ennes da Costa de Bem Ramos.

Na foto (provavelmente tirada em 1957) encontra-se o José Silveira, natural da Freguesia dos Flamengos, o qual, nos dias de treino, se deslocava a pé da sua freguesia para os treinos. Não sabemos se depois o seu regresso era feito através de alguma viatura ou se regressava a pé. Citamos este facto como um exemplo de alguém que estava disposto a percorrer uns bons quilómetros para satisfazer o seu desejo de jogar ao futebol.
E todos nós, sempre “rodeados” por uma bola, tínhamos tempo para frequentar a escola, embora se saiba que alguns de nós, não a frequentámos principalmente devido à falta de condições financeiras de nossos pais.
Eram outros tempos.

J. Luís

Publicado no Incentivo a 04 de Junho 2018

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